Postagens


terça-feira, 16 de março de 2010

VIOLÊNCIA, GÊNERO E NÚMERO

O livro FEMINISMO EM MOVIMENTO (Editora Paulo Francis, Brasília, 2010) de Lia Z. Machado, doutora em Sociologia, induz o leitor a pensar, não apenas a se informar ou a se enriquecer com as descobertas da pesquisadora. O estudo comprova que a violência, em todas as suas manifestações, perturba amargamente o pensamento social. Os mecanismos institucionais em vigor e seu aperfeiçoamento atestam a intensidade, a frequência e a gravidade dos atos de violência.
São quatro capítulos densos de investigação, informação, análise e abertura de pistas para compreender a ação humana violenta que permeia as diferentes idades, os diferentes meios da convivência social para culminar no gênero das violências, eles e elas. Quem bate mais, onde se bate mais, quando se bate mais e por que se bate?
É nesse emaranhado de questões que Lia Machado, com argúcia e firmeza conduz o leitor a refletir sobre o fato violento, a agressão física, a demonstração teatral de força e de poder, especialmente contra a mulher. A violência é uma dessas palavras abstratas que tomam corpo físico de monstro, se personalizam e saem à rua fazendo vítimas com balas perdidas. Fulano morreu vítima da violência. Ou na economia jornalística: mais uma vítima da violência. No dia a dia, ela aparece no esporte, no trânsito, nas ruas, nas prisões ou contra a natureza, contra a mulher, contra a criança. Está escondida na fome e nas desigualdades que podem conduzir à revolução social e política com sequelas em torturas, exílio ou fuzilamento.
Creio que não seria demais agregar a violência degradante e ocultada de nossas cadeias, que só ganha a luz do dia se toca prisioneiros privilegiados. Será possível, no esperançoso caminho da paz e da compreensão entre humanos, controlar e domesticar as diversificadas causas da violência? A pergunta parece gritar ao longo dos debates sugeridos por Lia.
A vida é marcada por inúmeras frações de violência. Do nascimento à morte há rompimentos, sangue e lágrimas que a cultura os sublima e os incorpora nos comportamentos do cotidiano.
Atrevo-me, seguindo pistas abertas pela autora, a perguntar: por que a violência? Será preferível a violência positiva à violência negativa? Nem preferíveis ambas, nem aceitáveis. São discussões delicadas que mostram a complexidade da alma humana e a infinidade de reações do ser humano diante das variadas circunstâncias da convivência onde se mesclam necessidades, interesses, ambições, força e poder. Inconscientemente, faz-se o elogio da violência. Longas e minuciosas reportagens acompanham ou refazem cenas de crimes diários, agressões dentro e fora da família, chacinas de hoje e de ontem. As lutas corporais nos ringues, os filmes de guerra onde se mostra a carnificina ao lado do heroísmo, o comércio de armas letais. O fascínio pelos exércitos, o aperfeiçoamento das máquinas para aterrorizar e matar em terra, no ar e no mar. As milícias privadas, os esquadrões da morte, a segurança pública, o policiamento ostensivo, um conjunto de estratagemas para proteger pessoas de pessoas e guardar bens e riquezas individuais e públicas,
Na luta pela vida, o ser humano busca instintivamente a sobrevivência primária com a satisfação da necessidade básica. Expande-se para outras necessidades, mas ela permeia todos os passos da vida. Para sobreviver, inventou artefatos de caça e pesca que levaram a armas cada vez mais apropriadas com o avançar do tempo. A sobrevivência pessoal, a salvaguarda da identidade no meio de outras identidades, desperta a criatividade individual em busca da aceitação pública de sua autonomia. A sobrevivência social requer o pertencimento a um grupo de acolhimento e defesa, a fuga do isolamento, o medo à exclusão, a recusa à dominação de outros. Do enfrentamento das coisas, da imposição do eu pessoal à agregação a um coletivo, os caminhos se cruzam e os sinais de trânsito na sociedade, por mais visíveis, nem sempre são suficientes para evitar os choques, os acidentes graves e fatais.
Como se entrelaçam esses aspectos da sobrevivência primária, pessoal e social para garantir os direitos humanos das crianças, dos jovens, dos idosos, dos homens, das mulheres nos múltiplos espaços e circunstâncias da sociedade? O indivíduo, o desejo de decidir sobre si mesmo, o imprevisível outro, a sociedade anônima e invisível, as leis do Estado estão todos no campo de jogo sem limite de duração.
Ao longo da leitura e das reflexões que a obra me inspirava, fazia-me perguntas: que há com a mulher? Que há de errado com o homem? Em que ponto da evolução está o cérebro humano? Há momentos em que os comportamentos indicam que o homem é um animal que não deu certo. Que descobertas primitivas concorreram para montar seu complexo de inferioridade contra o qual parece debater-se sem esmorecimento? Os dinossauros, as estrondosas tempestades, os terremotos? É preciso pôr, na ordem do dia, a exaltação da superioridade do homem?
O que levou as mulheres a se declararem em luta na defesa de seus direitos? E, aqui, mais uma vez, detive-me a perguntar sobre a luta feminista. O termo “luta feminista” ainda guarda a lembrança de uma guerra inacabada na sociedade em que o homem é o lobo do homem. O termo é repetido com mais frequência do que o desejado, mas a luta continua. Estamos em guerra. Que tipo de guerra é esta para que as mulheres entrem na luta? Contra quem, especificamente? Com que armas? E com quem será o armistício? E depois da trégua? Kathryn Bigelow foi acolhida no grêmio dos homens e ganhou o Oscar 2010, aventurando-se no território masculino com a história Guerra ao terror. As mulheres também entendem de guerra no entender dos homens.
Mas, talvez esteja no último capítulo a questão mais delicada que toca a mulher como receptáculo da vida e a difícil decisão individual de interromper uma gestação. Mulher, mãe, aborto. Um capítulo emocionante no qual o aborto é discutido com elegância, inteligência e coragem. Equipara-se, embora mais exaustivo, aos comentários de Carl Sagan consolidados por Ann Druyan, sua mulher, no livro Bilhões e bilhões.
Deixo a Lia as palavras finais da esperança: “As movimentações feministas continuam seu processo constante de reconstrução dos valores sociais, onde só terão lugar as maternidades desejadas...”
Há autores, como Lia Machado, que devem ser agradecidos por brindar obras cuja leitura se torna tão necessária quanto agradável.


Eugênio Giovenardi, escritor
Autor de Os filhos do Cardeal - o homem proibido -, Em nome do sangue, As pedras de Roma, Heliodora, Solitários no paraíso, O retorno das águas, A saga de um Sítio, entre outros.

Postado por O OBSERVADOR às


O DF NA UTI

A doença é grave. É um câncer em metástase. Químio e radioterapia já foram aplicadas sem grande resultado. Várias cirurgias têm sido realizadas para extirpar partes corrompidas pelas células cancerígenas. O estado do paciente continua crítico.
O paciente foi atingido mortalmente pelo mensalão cancerígeno de primeiro grau ou câncer A infiltrante, proveniente da glândula petista, com ramificações de difícil diagnóstico, atingindo o cérebro. O câncer B, de segundo grau, se alastrou pelo corpo peessedebista. correndo solto por veias e dutos. Enfim, o câncer C, de terceiro grau, atacou com fúria o nervo democrata e o paciente, por recusar a cirurgia, a químio e a radioterapia, foi levado à força para a UTI da ética e da moral.
Como todos os mensalões são cancerígenos, não há distinção de tratamento.
Aos cinquenta anos, Brasília, magnânima, monumental, silenciosa, coberta de estrelas, cantada por poetas e decorada por artistas clama contra a corrupção e determina que sejam internados todos os portadores de mensalão na UTI da ética.
Todos para a UTI, sem distinção de classe de câncer. Há lugar para todos, E há médicos disponíveis nas delegacias de polícia e enfermeiras na Papuda.
Uma corrente de energia,
todos de mãos dadas,
pensamento positivo,
florais de Bach.

Postado por O OBSERVADOR às 16:08




TU, ESCRITOR

Há um sentimento de frustração permanente para quem escreve sem leitores. É como andar no escuro, compondo um monólogo no qual o escritor imagina um leitor ouvinte a seu lado. Muitas vezes, o escritor é seu principal leitor. Lê para si e para o leitor imaginário. O consolo é que o leitor passa e o livro fica.
Há escritores que têm vitrina, coluna diária ou semanal em jornais, TV ou revistas. São convidados a proferir palestras por serem conhecidos. Repetem quase sempre as mesmas ideias. Isto pouco importa aos leitores que os ouvem. A presença deles é mais que o livro e mais do que dizem. É o fascínio da pessoa que escreve pensamentos muito próximos dos do leitor. O leitor não disse, mas pensou. O escritor disse o que o leitor queria dizer e, agora, com o livro na mão confirma sua afinidade com o escritor.
Quem são os milhões de leitores que não disseram, mas pensaram o que Paulo Coelho escreve?
Quem são os leitores de Machado de Assis que se enamoram da voluptuosa Capitu e querem saber se ela traiu o escritor ou os leitores.
Quem são os leitores de Clarice Lispector que esperaram a vida inteira pela Hora da Estrela ou não tiveram tempo e ânimo para escrever o Livro dos Prazeres maldesfrutados?
Quem são seus leitores, meu caro e desconhecido escritor? Descubra-os. São poucos talvez, mas eles pensaram o que você disse em nome deles.
Dias passados, um de meus 40 leitores telefonou para comunicar-me que acabara de ler um capítulo _ VISTO DE CIMA − de meu livro A Saga de um Sítio. Comentário do leitor: “parecia-me estar ouvindo uma sinfonia de Tchaikovsky”.
Por isso, caro escritor e poeta, não estranhe se algum leitor desconhecido ou anônimo o tome por músico.
As palavras, surpreendentemente, se disfarçam de notas musicais.

Nota: Meus livros (romances) A saga de um Sítio, O Homem proibido, Em nome do sangue e As pedras de Roma, estão disponíveis a preços módicos no

Postado por O OBSERVADOR às 04:39





USO DO CÉREBRO

Certos temas que entram em discussão se prestam a críticas, a planos econômicos, a propostas políticas, pragmáticas e a sonhos utópicos. Um deles é o do crescimento da população mundial e, outro, da eliminação da pobreza. Para ambos há soluções em perspectiva, críticas, análises, propostas, ações múltiplas de efeitos imediatos ou lentos. Esses temas envolvem, ao mesmo tempo, aspectos políticos, econômicos, ecológicos, psicológicos e humanos que dizem respeito às liberdades individuais e ao bem coletivo. Uma decisão sábia sobre esses temas, que afetam a todos os povos da terra, necessitaria de um maior e melhor uso de nossa capacidade cerebral.
Talvez por um processo evolutivo inacabado, o uso do cérebro é limitado, departamentalizado, parcializado, restrito a pontos mais luminosos e pressionado para achar uma saída rápida. E sai-se rapidamente da complexidade de temas para não se embaraçar nas soluções mais racionais. Soluções que podem soar contraditórias, complementares. Umas mais difíceis de aplicar. Outras, mais fáceis. Contentamo-nos com pouco e com um pouco rapidamente conquistado.
Diz-se que, no dia a dia, usa-se mínima parte do cérebro, de um a três centésimos, suficiente para as decisões de sobrevivência mínima. A maior parte de nossas ações é comandada pelo aparelho automático, produto da rotina e das conveniências imediatas.
Um “por que” jogado a alguém que estivesse por atravessar a rua com sinal fechado receberia múltiplas respostas, além do choque cerebral de parar para pensar e responder. Andamos com o cérebro ligado no automático. Transferimos essa preguiça cerebral para a decisão dos grandes temas. Em torno de uma decisão imediata, na sala do palácio presidencial ou em ministério qualquer, há meia dúzia de justificativas que explicam o ato cerebral. Não é a solução do problema que importa. São as justificativas que dão à decisão tomada o grau de utilização do cérebro para sair do problema que se apresentou. Como nenhuma decisão pode ser tomada e trancada numa redoma de vidro, sua aplicação prática repercutirá em outras direções nem sempre pensadas.
Os efeitos de uma decisão direcionada a resolver uma situação extrema como a fome crônica, resultado de uma perversa segregação econômica, podem ser imediatos. A pergunta – por que essa decisão − pode complicar o cérebro dos que decidem. A solução dada visa a extinguir a fome ou eliminar a perversidade da ordem econômica responsável pela existência dessa situação crônica de pobreza?
Para esse tipo de solução simplista, o uso mínimo do cérebro é suficiente. Para manter vivos outros estamentos da economia como bancos, indústrias de automóveis, taxas de juros, requer-se um pouco mais de massa cerebral. Digamos cinco centésimos da capacidade total. Mas para ir mais longe, ao encontro da grandeza do homo sapiens e alcançar um patamar onde o conhecimento se une à sabedoria, precisaremos, sem dúvida, de alguns centésimos a mais.

Postado por O OBSERVADOR às 07:38





CONFUSÃO MENTAL

Fui à ótica receber os óculos que havia encomendado a dez dias. A conversa se encaminhou para a ecologia em razão de uma frase dita pelo atendente. “Por onde passam, os gaúchos deixam desenvolvimento agrícola”. Disse isso para me agradar, sabendo que minha origem é do Sul. Opus-me à simplificação e retruquei: “desenvolvimento e desmatamento radical”.
Mostrei ao atendente, piauiense, que existem processos de produção agrícola menos devastadores do que os praticados por gaúchos nas regiões do Cerrado, incluindo Maranhão e Piauí. Lembrei os corredores vegetais preservados entre áreas de plantio o que permite reter parte da água da chuva e proteger o solo contra a erosão.
Um assunto puxa o outro e a conclusão dos argumentos que fluíam é desanimadora. Ouvem-se e repetem-se números ouvidos e vistos em jornais, rádios e TV, como verdades absolutas. Números que sobem e descem, contraditórios, simplificados, para manter alta a autoestima da economia consumista.
Os governantes, com sua maleável retórica verbal e informativa, conseguiram convencer o cidadão brasileiro que estamos no melhor dos países porque mais pessoas consomem, melhoram a casa, comem mais, o número de pobres subvencionados aumenta e a classe média se expande à base de dívidas bancárias. Estamos melhor hoje do que ontem, como se isso fosse novidade. Há os que imaginam que, até poucos anos atrás, a indústria, o comércio e os governos que se sucederam trabalharam coordenadamente para regredir. Felizmente, avançamos. Talvez não nas áreas em que a desigualdade pudesse diminuir mais rapidamente: educação e saúde.
O governo e a sociedade industrial e comercial, obedecidos pela imprensa, instalaram na cabeça dos cidadãos, cujo conhecimento da aritmética não saiu do grupo escolar, o princípio de que o sonho se realiza com mais dinheiro no bolso e emprego com carteira assinada. Infelizmente, os doutrinadores e os promotores da euforia econômica não têm tempo para uma longa e minuciosa conversa com a diarista que toma dois ônibus para chegar ao trabalho ou conhecer a casa e o bairro onde mora. Ou, menos ainda, uma visita a um agricultor familiar para saber qual é o preço real que recebe por seu produto.
O mais grave é que essas informações estraçalhadas em números incalculáveis e percentuais misteriosos levam de roldão pessoas que comprovam ter concluído curso universitário.
É óbvio salientar que, nos últimos 15 anos, houve e está havendo melhora quantitativa nas condições de vida da maioria do povo brasileiro embora com graduações diferentes. Não se poderia desejar ou esperar que o Brasil andasse para trás, sendo empurrado para frente pelas economias desenvolvidas do resto do mundo. Ainda assim, temos pobres demais, sem perspectivas de melhoras substanciais para eles nesta geração..
O que se esperava e se desejava com a subida de dois governos esquerdistas – assim ditos −é que o país caminhasse no rumo de substancial e inequívoca melhora qualitativa e democrática baseada na educação pública em todos os níveis sociais e não somente para um pequeno grupo de privilegiados, com artifícios políticos e propaganda eleitoral. Educação primária, secundária, supletiva, profissional, informal e formal, que promovesse não só a compra e a operação mecânica do telefone celular, como também rudimentos eletrônicos de seu funcionamento.
Do ponto de vista qualitativo democrático pode-se afirmar que o país regrediu. Temos imensos estoques de tecnologias em universidades e empresas e a mais crassa ignorância em vastas camadas da população. O desinteresse crescente pela ação política das novas classes sociais, a aceitação quase fatal da corrupção e impunidade nas altas esferas do legislativo, judiciário e executivo estimulam que os alvos do cidadão se fixem nos aspectos do conforto econômico ou se alimentem de subprodutos da cultura..
As escolas não ensinam a pensar nem dão aos alunos instrumentos para operar a razão no dia a dia. Tudo se encaminha para o emprego com carteira assinada, qualquer que seja o trabalho oferecido. Meu mestre de ética respondia, há quarenta anos, sobre soluções a questões importantes ou necessárias: “também isto, mas não só isto.
O próximo governo tem ali, diante dos olhos, itens para compor um vasto programa capaz de impulsionar o desenvolvimento qualitativo do cidadão e garantir o desenvolvimento quantitativo e equilibrado dos bens úteis ao conforto do cidadão sem devastação ambiental e sem confusão mental.

Postado por O OBSERVADOR às 09:51





AS CINZAS DE ERNESTO SILVA

Lá se foi um de nossos guias de Brasília. Silva temia mais a bomba da explosão demográfica do que a da bomba atômica. Pressentia e receava que o intumescimento de Brasília arrastasse atrás de si o descontrole da administração de um projeto urbano artisticamente monumental e marco de uma nova civilização.
Primeiro presidente da empresa Novacap, se fosse desonesto, teria palácios no Lago Sul ou apartamentos de cobertura. Sóbrio e sábio, contentou-se com o necessário conforto de um apartamento na 105 Sul, no Plano Piloto.
Amigo de Juscelino Kubitschek, de Lúcio Costa e Oscar Niemayer, nunca pleiteou posições e cargos. Cumpriu com dedicação e até com devoção sua função de servir à cidade e aos cidadãos, promovendo escolas para todas as crianças do Distrito Federal.
Educação era o alvo. Silva insistiu no aprimoramento das escolas e dos professores para manter lúcida a história da saga brasiliense. E o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal se tornou o laboratório desse aperfeiçoamento. Fê-lo com a convicção de que a educação consolida a cultura, a civilização e a democracia participativa, elementos que dignificam o cidadão.
As vozes vão se perdendo no tumulto e sumindo na multidão alienada. Os gritos voam entre montanhas de prédios e se escoam por avenidas estéreis. E as bocas dos que ainda podem gritar se paralisam abertas esperando o eco.
Ernesto Silva preferiu as cinzas à podridão do túmulo. Das cinzas, ele e nós renasceremos.

Postado por O OBSERVADOR às 04:12





DESGRAÇAS

As chuvas continuam caindo e os morros, aqui e ali, soltam-se e descem arrastando árvores e casas. O solo que se formou e aderiu à rocha, não muito profunda, foi povoado pela vegetação rasteira e por árvores que enfiaram suas raízes nas fendas até onde sua força pôde. O trançado das raízes forma uma camada subterrânea compacta e unida. É sua garantia de firmar-se sobre as encostas. Alterando e cortando essa trama invisível, ameaça-se a estabilidade do conjunto. A terra encharcada amolece e escorre como lama. As raízes das árvores se desprendem parcialmente e os troncos pesados e a ramada carregada de milhares de litros de água, empurrada pelo vento e sugadas pela lei da gravidade tombam e despencam ladeira abaixo.
É um fenômeno universalmente conhecido. Slavina, na Itália, avalanche, na França, se assemelham aos deslizamentos de nossas encostas. Esse fenômeno pode ser agravado e até ser causado pela inadequada ocupação do solo e exploração das riquezas naturais, possíveis de serem utilizadas pelo homem.
Os conhecimentos geológicos permitem determinar o quanto se pode explorar e onde ao homem convém fixar-se e construir seu abrigo com segurança. Em outros tempos, o instinto, a percepção e a observação eram suficientes para desaconselhar o homem a estabelecer-se em áreas ameaçadas de inundação. Hoje há leis sábias e orientadoras que o cidadão ignora por displicência.
Escolher o lugar de sua casa apenas pela beleza do lugar ou por não ter outra opção, premido pela necessidade e pobreza, sem o conhecimento do solo onde pisa é entregar-se ao acaso, à sorte e à força da Natureza, cujas leis implacáveis funcionam sem descanso.
É comum, diante da casa e da lavoura destruídas, as pessoas entrevistadas expressarem seu desespero e frustração: “Levei 30 anos para juntar economias e levantar minha casa e, em dez minutos, perdi tudo”.
A decepção é compreensível. É próprio do ser social comunicar-se por aquilo que possui e menos por aquilo que é. Quem passa, vê a casa grande ou a choupana. Ao lado de uma, pode estar um carro de luxo, protegido por grades e cães. Ao lado de outra, apenas uma carroça, um cavalo magro e um cão dormindo na porta. Nosso respeito se manifesta pelas aparências que escondem o ser que ele é. A pessoa que perdeu seus bens materiais acumulados com trabalho, dedicação e astúcia, sente-se nua, traída e, de repente, igual ao pobre da choupana por onde a lama não correu. Humilhação, castigo, falta de sorte, vingança de Deus. Há, nessas ocasiões, pessoas que interpretam a ação divina de forma discricionária e discriminatória. Matou o vizinho e me poupou. Que teria Deus contra o vizinho? Os que não foram mortos por Deus tomam o fato como milagre. Naquele momento ele estava olhando só para eles.
A vantagem dos mortos sobre os vivos é que não precisam mais se preocupar em construir nova casa e se endividar em bancos ou ser reféns da burocracia política.
O fenômeno natural é eivado de pequenos acasos e tem aspectos seletivos. A intensidade, a extensão, a velocidade e a direção de um deslizamento não são lineares. A enxurrada arrasta uma árvore e não derruba outra. Atinge parte da casa e, outra, não. Ocorre quando pessoas ocupam o lugar e, como se viu, outras estavam fora ou saíram a tempo.
O fenômeno natural não tem preconceito. É movido por leis físicas, Derruba a casa que estava em seu caminho e poupa a pessoa que trabalhava ao lado. A casa das pessoas vivas pode ser reconstruída pelos vivos e só lhes resta enterrar os mortos.
A força, a coragem, a criatividade das pessoas que construíram as casas derrubadas pelo acidente natural ainda permanecem neles. Essas circunstâncias são propícias para distinguir o ser do ter e perceber que ambos são frágeis diante de forças desconhecidas, regidas por leis conhecidas.
A dor, a tristeza, a frustração por perdas materiais tocam no orgulho e vaidade do ser inteligente porque ele toma o infortúnio como derrota pessoal, Sente-se humilhado pelo mais forte como se estivesse no ringue. “Por que eu”? Em outras palavras: “que morram os outros, não eu”!
Nesse momento, ele compara os 30 anos de trabalho, de luta, de astúcias E de artifícios com os cinco minutos do tremor da Natureza que o escolheu para vítima da violência física. Jô, coberto de chagas, compreendeu a instabilidade da vida: “ela me deu, ela me tirou”.
Um conhecimento mais profundo da natureza e da vida, do espaço e do tempo pode repor as perdas ou mesmo evitá-las. O espírito de dominação, a ânsia de subjugar a natureza deve ser substituído pelo diálogo com ela, pelo conhecimento das leis físicas que indicam o caminho da convivência e da precaução, não apenas a exploração de suas riquezas. Do conhecimento à sabedoria o passo é longo, lento e difícil.

Postado por O OBSERVADOR às 14:09





CONHECIMENTO, TECNOLOGIA, SABEDORIA

É importante reconhecer que os conhecimentos gerais, as invenções e o uso de equipamentos tecnológicos se universalizaram rapidamente, nos últimos cem anos e se socializaram. O mesmo telefone celular é usado na Índia, no Kênia, no Brasil e no Peru, com a mesma tecnologia, pelo alto executivo e pela empregada doméstica.
A tecnologia facilita a comunicação, difunde a informação, não exige conhecimentos na mesma profundidade e não melhora necessariamente o agir, o comportamento, a convivência. Aprende-se com facilidade os passos que permitem o uso mecânico do equipamento porque os artefatos são organizados e movidos por uma “inteligência” automática, por um sistema de associações que se desencadeiam sem que o usuário tenha conhecimento da física e da eletrônica. Aprende-se a usar minimamente o cérebro para manejar o aparelho. Marca-se o número, ouve-se a voz e fala-se. Nada mais fácil para se usar alta tecnologia.
O simples funcionamento do artefato tranquiliza, alegra, satisfaz por se ter conseguido a informação desejada. O usuário apega-se ao aparelho, sente-se um prolongamento da pequena máquina como se fosse parte dela. Ou admite que a máquina é um novo órgão do corpo humano, uma extensão de seu espírito. Ela lhe presta serviços e o usuário já não pode passar sem ela, nem lembra como era sem ela. O aparelho torna-se imprescindível. Poderá esquecer o filho no carro enquanto vai ao centro comercial ou ao banco, mas não o celular. O toque escolhido e conhecido provindo do aparelho o faz saltar para atendê-lo. O choro da criança não o perturba ou mesmo já não se faz ouvir. O grito do celular tem que ser atendido. Faz parte da convenção tecnológica, não importa a informação que contenha ou que se revele, muitas vezes, um simples engano. O choro da criança é uma comunicação em várias dimensões: fome, sede, dor, afeto, manha...mas pode esperar.
A automação parcial dos aparelhos conduz à alienação do cérebro que espera, com certo grau de certeza e sem sua participação, que o artefato deve funcionar porque foi projetado para isso. Dá ao artefato poder, autoridade e lhe presta obediência. Delega o conhecimento ao aparelho. É nessa delegação que atua o marketing, a propaganda, a política econômica que põem o poder aquisitivo, a parafernália de artefatos tecnológicos ao alcance universal para uso e apropriação.
Não é o conhecimento, a aprendizagem, a ciência que, de maneira geral, toca as pessoas. É a capacidade facilitada de ter e usar aparelhos que constroi, hoje, um novo patamar de felicidade, de ascensão social, de igualar-se aos que têm e, consequentemente, de exercitar algum poder.
Passa-se do chá à aspirina, do toque físico do médico à tomografia, à cirurgia, à UTI, num processo cada vez mais mecânico, científico, tecnológico e impessoal. As máquinas são conhecimentos aplicados e intermediários, quando não substitutos do ato humano. Os sentimentos voltam a expressar o complexo psíquico das pessoas nas horas finais do velório e do enterro. As pessoas se reencontram na morte. É o reencontro das almas. A sabedoria chegou, mas um pouco tarde. Silêncio mortal. Palavra inútil.
A multiplicidade de guerras atuais tomou conta das atenções humanas. Elas exigem aparelhos, equipamentos, tecnologias, estratégias, precisão matemática e pouca sabedoria.
Sabedoria é a capacidade psíquica de escolher, de determinar o que fazer, como atuar no universo dos seres que nos cercam. É a liberdade de ser e agir. Conhecer os seres, sua essência, como agem, como se manifestam, como se comunicam, como sobrevivem são ingredientes da sabedoria.
O primeiro estágio, segundo Sócrates, é o conhecimento de si próprio. Conhece-te a ti mesmo. A relação com os seres não humanos da natureza e com as pessoas baseia-se no respeito à sua existência, à forma de vida e à finalidade da vida de cada ser. É sobre esse eixo que gira a convivência e a comunicação de uns com outros.
Os seres inteligentes que usam o pensamento e a palavra para se comunicar o fazem baseados na premissa estrutural de que há em todos o mesmo motor, com maior ou menor rotação, mas que gera a mesma luz. Nesta lógica, o outro sou eu. Temos o mesmo motor vital, de onde se origina o respeito. Quando falamos e nos comunicamos, revelamos a complexidade desse motor. É possível, portanto, que o objeto do pensamento seja o mesmo, mas não a escolha do caminho. Existimos em três dimensões: a liberdade de ser, a liberdade de fazer e a de agir.
O ser é livre em si mesmo, em sua solidão metafísica dentro das quatro paredes da alma. A liberdade de fazer implica tempo e espaço, além de conhecimentos e técnicas. A liberdade de agir exige sabedoria, implica convivência, palavra, sentimentos, cuidados para entrar no reino do outro. E, aqui, o outro sou eu. Compreender esta verdade simples toma ainda alguns milênios.
O preconceito, a dominação, a escravidão, a tortura pertencem à liberdade de fazer e conflitam com a liberdade de ser e de agir. O diálogo é feito de palavras. As palavras são produto da escavação do pensar, do descobrir, do associar, do distinguir, do decidir. É na liberdade do agir que reside a sabedoria.
As desigualdades sociais e de oportunidades, a pobreza econômica são resultados do uso da liberdade indiscriminada de fazer, ainda que legalizada e protegida por leis. O mais forte se apodera do tempo e do espaço, projeta e difunde conhecimentos e técnicas para que outros as utilizem mecanicamente e dependerão sempre dos inventores e inovadores. Chega-se, assim, a uma sociedade do fazer – homo faber − (Hannah Arendt), na qual os seres inteligentes se comunicam por instrumentos que tem vida e mecanismos próprios e mantêm as pessoas dominadas e domesticadas. A palavra é apenas um acessório que indica o como fazer. Somos dominados pelo sistema. E quando recorremos ao tribunal para reclamar de um serviço mal executado ouvimos um robô com voz meiga de secretária a nos informar: é o sistema. Foi uma falha do sistema. O sistema caiu, Estamos sem sistema, tente mais tarde, queira nos desculpar.
Um sentimento de orfandade toma conta do corpo e da alma. Já não precisamos pedir desculpas aos outros quando atentamos contra a sabedoria da convivência. O sistema que comanda nossas vidas nos pede desculpas.
Tentaremos mais tarde. Será melhor que nunca.
Blog, 28.01.10

Postado por O OBSERVADOR às 04:04





LÁ E CÁ

Em Santa Catarina, há dois anos (2008), cronicamente em São Paulo, em Angra dos Reis (RJ), Cunha e São Luís de Paraitinga (SP), Agudos e Restinga Seca, no RS, neste começo de 2010, a irracionalidade contumaz do homo sapiens está pagando caro pela ocupação imprevidente do espaço natural.
Há discursos ambientalistas demais e planejadores urbanos de menos. Alguém perguntou, num simpósio de arquitetos, se o urbanista deve atuar antes da edificação da cidade ou depois do caos instalado. O país não acordou ainda do pesadelo do crescimento descontrolado da população que resulta num extremo adensamento de áreas com características de superpopulação. Há mais de cinquenta anos existem informações sobre êxodo rural, expulsão de milhares de pequenos produtores pela agricultura comercial e forte tendência à urbanização. Alguém levou esses dados em consideração para acomodar os exilados do campo?
Os administradores municipais, contratados ou eleitos, desconhecem a geografia e a geologia de sua terra. Os assentamentos urbanos se expandem impulsionados por uma força inercial gregária e os serviços básicos de água, energia e esgoto vêm a reboque e a passo lento. Educação, saúde, transporte e áreas de lazer, a conta-gotas e quando der, se sobrar dinheiro. Em outras palavras, nem os administradores nem a população quer saber o que dizem as múltiplas leis que determinam a ocupação do solo. Essas leis simplesmente não pegaram.
E, assim, vão se formando desertos de variadas dimensões, com a denominação de condomínios, vilas, bairros, cidades, capitais, metrópoles. Deserto se caracteriza pela pobreza extrema de vegetação primária, pela secura quase absoluta, ampliação térmica acima da média e maior duração diurna imposta pela iluminação artificial. Nossas cidades, com pouquíssimas exceções, são desertos de tamanhos variados. O deserto urbano é a agravado pela intensa e contínua ação da presença devastadora de máquinas e da população assentada no processo descontrolado da reprodução, da sobrevivência e do conforto, embargando a resposta ambiental e ecológica da natureza.
Quando vejo, lá, as cenas de deslizamento de morros sobre habitações, de rios transbordando sobre ruas, invadindo c derrubando casas, de pontes sendo levadas pela fúria das torrentes e, cá, nas cidades-satélites do Distrito Federal, a falta de água, de energia elétrica e esgoto, grandes extensões sem arborização, assalta-me a dúvida sobre o bom uso da razão do homo sapiens.
De par com a impressionante tecnologia que se desenvolve no campo eletrônico, em todo tipo de maquinaria e engenhosos artefatos, a inteligência do homem recalcitra na compreensão das leis da natureza e pretende se impor a elas ao invés de conviver com elas. Essa atitude presunçosa de dominação, de apropriação, de exploração das riquezas para enriquecimento exacerbado e ambiciosa satisfação de poder, está custando demasiado caro aos seres vivos e produzindo sofrimentos desnecessários à espécie humana.
É preciso convencer a humanidade de que é urgente fazer as pazes com a natureza. Pensar, afirma Pedro de Montemor, é ainda uma medida inteligente do homo sapiens para desfrutar das belezas e das riquezas do planeta Terra.

Postado por O OBSERVADOR às 03:30





RELIGIÃO

O culto aos mortos que deixaram, além da prole, a casa e as primitivas técnicas de plantio, pode ser uma das raízes da religião (Heuser). Os vivos se religam aos mortos. Onde estão? Encontrou-se lugar para eles. Os bons, para um lado − o Nirvana . Os maus, para outro − o Hades.
Quem comanda o outro lado? Alguém superior a todos. Como aqui, lá deve haver um chefe. Os ritos e as liturgias para celebrar essa memória de religar-se aos mortos foram-se difundindo, diversificando e aperfeiçoando. Transformaram-se em força política. A religião se consolida no espírito humano quando os que dominam o lado invisível e desconhecido decidem relacionar-se com os seres terrestres. Os humanos tornaram-se parentes dos seres divinos. Somos irmãos, primos, sobrinhos, tios, genros, noras, cunhados e avós de pessoas divinas. O Deus de Israel é, ao mesmo tempo, filho, pai, tio, avô e cunhado da descendência de Jesus. O nepotismo pode ser considerado uma invenção antiga.
Todos os povos da terra praticam algum tipo de religião ou religação com ou sem Deus. Qual é a finalidade prática da religião? Templos, ritos, liturgias? Submissão do ser humano mortal a uma divindade sem começo nem fim? Exploração da ingenuidade, do medo, da morte para consagrar verdades e dogmas jogados à responsabilidade da fé sem discussão? Encher a alma de paz, de boa vontade, de solidariedade, de amor?
Napoleão I, diante de cadáveres nos campos de batalha, ousou definir esse sentimento que domina a maioria das pessoas: “A religião é aquilo que impede os pobres de matarem os ricos”. O imperador guerreiro não se deu tempo para completar o raciocínio. Poderia ter concluído que a religião é aquilo que não impede os ricos de matarem os pobres, ou de se matarem, pobres e ricos, entre si.
Para ser humano, para dar sentido à própria existência como partícula do universo não sinto falta de religião. É-me suficiente compreender que, para agir coerentemente, o outro sou eu. Somos todos parentes, os de lá e os de cá, e pertencemos à mesma árvore genealógica que produz o bem e o mal até secar e ser devorada pelo cupim.

Postado por O OBSERVADOR às 06:42






Aguas

Programa de Coleta de Agua da Chuva de uma Cidade



será que já não esta na hora de acabar com as enchentes
das grandes cidades.
Que tal trazer as cisternas do nordeste para as cidades.
De que forma? cada casa ter sua própria cisterna no
quintal, com toda canalização de agua de chuvas direcionada
para esta cisterna para ficar estocada. E a Sabesp fazer
piscinões em cada bairro para receber as aguas estocadas
das casas.
E fazer tratamento desta agua, e fornecer na rede de agua.
Creio que fica mais barato, em longo prazo. Que tratar as
aguas poluídas das represas e buscar agua cada vez mais
longe.
Todos projetos de condomínio já estivesse incluído todo
este trabalho já seria bem econômico. Não sei porque eles
já não tem projetos assim.
E garanto que o trastorno de enchentes seria bem
minimizado, e também não veria tanto desperdiço
de agua, até o meio ambiente agradeceria tal gesto
da parte de nossos políticos.

Postado por GLOBOMANIA às 06:15




Nenhuma postagem.
Nenhuma postagem.

Seguidores

Páginas